Como adversários de Bolsonaro, inclusive Randolfe, podem ajudá-lo no Senado

Nesta terça-feira uma sessão do Congresso pode decidir a manutenção do veto presidencial que removeu cerca de R$ 30 bilhões do orçamento em emendas parlamentares.

André Shalders, da BBC Brasil

Senadores de oposição ao presidente Jair Bolsonaro podem ajudar o Planalto a vencer uma disputa envolvendo R$ 30,1 bilhões do Orçamento, nesta terça-feira (3). Hoje à tarde, uma sessão do Congresso pode decidir a manutenção do veto de Bolsonaro que removeu cerca de R$ 30,1 bilhões do orçamento em emendas parlamentares. O Palácio do Planalto diz acreditar ter os votos para ganhar a disputa, se a questão for levada à análise dos senadores.

A conta inclui políticos de oposição a Bolsonaro, mas que já disseram publicamente que votarão para manter a verba sob responsabilidade do Executivo. Na segunda-feira (2), o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou ser favorável à manutenção do veto, “apesar das divergências com o governo de Jair Bolsonaro”. “O orçamento impositivo, lá atrás, foi um avanço. Mas isso que se discute é bem diferente e temerário”, escreveu Calheiros no Twitter.

Apesar de o MDB se considerar “independente” em relação ao governo, Renan Calheiros tem sido crítico ao Planalto desde o início do mandato de Bolsonaro. Outra emedebista que votará a favor do veto presidencial é a senadora Simone Tebet (MDB-MS). O próprio líder da oposição no Congresso, Randolfe Rodrigues (REDE-AP), se diz favorável a manter o veto de Bolsonaro — no entanto, ele afirma que trabalhará para adiar a discussão, evitando que o assunto seja discutido já. “Tem três vetos antes de chegar no veto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias, relativo aos R$ 30,1 bilhões). Faremos obstrução (tentar impedir a votação) até chegar neste veto. Nossa estratégia será a obstrução”, disse ele ao site especializado Congresso em Foco.

Além da bancada oposicionista, o grupo conhecido como “Muda Senado” — uma articulação informal anticorrupção com cerca de 20 senadores —também é contra destinar os R$ 30,1 bilhões para as emendas formuladas pelo relator do Orçamento, o deputado Domingos Neto (PSD-CE).

Oriovisto Guimarães (Pode-PR) e Fabiano Contarato (Rede-ES), que integram o grupo, disseram à BBC News Brasil serem favoráveis a manter o veto, ecoando declarações de outros congressistas do “Muda Senado” em entrevistas e nas redes sociais.

No caso do dispositivo vetado por Bolsonaro na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a análise inicial é feita pelos deputados. Se eles derrubarem o veto, os senadores serão chamados a opinar sobre o assunto.

Acordo ‘improvável’ com o Congresso

Alcolumbre e Bolsonaro cantam o hino em evento
Alcolumbre e Bolsonaro no final de 2019; os dois se encontraram na véspera de votação sobre orçamento impositivo
Jair Bolsonaro recebeu o presidente do Senado para um encontro de cerca de uma hora no começo da tarde desta segunda-feira (02), no Palácio do Planalto. Nenhum dos dois mencionou qualquer acordo entre os poderes.

O analista político e ex-professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB) Paulo Kramer concorda ser pouco provável um novo acordo para dividir os recursos entre Executivo e Legislativo. Ele destaca, porém, que negociações assim costumam prosseguir até o momento da votação.

Deputados favoráveis à derrubada do veto devem se reunir com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) na manhã desta terça.

Disputa começou em dezembro passado

Embora só tenha se tornado pública pouco antes do Carnaval, a disputa entre o Planalto e parte do Congresso começou bem antes, em dezembro de 2019. Foi no dia 18 daquele mês que Bolsonaro resolveu vetar um artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o 64-A.

Este trecho dava ao relator-geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), o direito de direcionar os R$ 30,1 bilhões em emendas, como havia sido pedido por diferentes partidos e bancadas no Congresso. O trecho também fixava um prazo de 90 dias aos ministérios para liberar o dinheiro, sob risco de responsabilização dos gestores na Justiça.

Segundo técnicos consultados pela reportagem da BBC News Brasil, a mudança gerou pesadas reclamações na Esplanada dos Ministérios no começo deste ano, o que motivou o veto presidencial. “Ali (naqueles R$ 30 bilhões) têm de tudo. Tem lugares na Esplanada que só poderão contar com esse dinheiro de emendas de relator”, diz um técnico. “Na verdade, criou-se uma instância de execução (orçamentária) dentro do Legislativo, uma coisa super complicada”, disse o profissional. “Houve uma reação muito forte na Esplanada, dos militares, de todo mundo. O gestor (de cada ministério) corria risco de ser processado caso não fizesse a execução orçamentária dentro desse prazo de 90 dias”, ressalta ele.

Um acordo entre Congresso e Executivo começou a ser costurado antes do Carnaval, mas naufragou quando o Planalto deixou de mandar um projeto de lei dividindo os R$ 30 bilhões.

Executivo prefere gastar em Defesa; Congresso privilegiou cidades

Na rubrica dos investimentos, o Congresso já manda mais que o próprio Executivo. Enquanto o Planalto dispõe de pouco mais de R$ 19,3 bilhões para aplicar em investimentos em 2019, as emendas parlamentares do Congresso determinarão o destino de R$ 22,1 bilhões nesta rubrica.

As prioridades de cada Poder também são bastante distintas, na hora de alocar o dinheiro. No Executivo, as prioridades estão nas áreas de defesa (R$ 6,01 bilhões), transporte (principalmente manutenção de rodovias), com mais R$ 5,8 bilhões, saúde (R$ 1,2 bilhão) e educação (R$ 1,1 bilhão). Já o Legislativo priorizou urbanismo, habitação e saneamento (R$ 6,6 bilhões), seguidos de investimentos em saúde (R$ 3,1 bilhões), educação (R$ 3 bilhões) e transporte (R$ 2,07 bilhões).

Congresso ocupa cada vez mais espaço no Orçamento

Mão coloca moeda sobre pilhas de moeda

Na hora de alocar dinheiro, dados mostram que as prioridades de cada Poder são bastante distintas

Os R$ 30,1 bilhões reivindicados por Domingos Neto não são o primeiro movimento do Congresso para ocupar mais espaço no Orçamento desde o começo da gestão de Jair Bolsonaro.

Em meados do ano passado, congressistas já tinham aprovado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tornou obrigatório o pagamento das emendas de bancada — somando cerca de R$ 15,4 bilhões.

Na época, o governo apoiou a proposta: sem ter como resistir à pressão do Congresso, a gestão Bolsonaro procurou evitar a aparência de uma derrota.

A mudança na Constituição também trouxe algumas regras para o uso do dinheiro das emendas de bancada. Por exemplo: se o dinheiro for aplicado em uma obra ou projeto que dure mais de um ano, a bancada fica obrigada a destinar emendas para esta finalidade até que esteja concluída.

Até então, o pagamento de emendas deste tipo não era obrigatório, e frequentemente o dinheiro acabava não saindo dos cofres públicos. No ano que vem, o valor destas emendas de bancada voltará a crescer, segundo a PEC aprovada. Outros dois fatores também fazem com que o Congresso esteja ainda mais forte na relação com o Executivo este ano.

Bolsonaro terá de lidar este ano com as consequências de não ter construído uma base de apoio no Congresso e enfrentar um “ano curto” na política, já que no segundo semestre deputados e senadores concentrarão suas energias na eleição municipal.

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