Macrodesafio busca assegurar qualidade à modernização tecnológica da justiça
A computação em nuvem gradativamente substituiu papel, armários, estantes e depósitos: em 2019, nove em cada 10 novos processos eram eletrônicos.
Da Redação
Desde a edição da lei da informatização do processo judicial no Brasil, em 2006, a tecnologia ocupa espaço cada vez mais central no trabalho do Poder Judiciário. A série histórica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contabiliza 131 milhões de ações judiciais iniciadas em meio digital desde 2009. A computação em nuvem gradativamente substituiu papel, armários, estantes e depósitos: em 2019, nove em cada 10 novos processos eram eletrônicos. Na definição do planejamento estratégico que guiará a Justiça brasileira entre 2021 e 2026, o fortalecimento das tecnologias da informação e da comunicação foi eleito como um dos 12 macrodesafios que caberá aos tribunais cumprir até o fim de 2026, conforme a Estratégia Nacional do Poder Judiciário.
O incentivo à Justiça digital é um dos cinco eixos da gestão do ministro Luiz Fux como presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Justiça 4.0 é a plataforma de ações e programas com que o Conselho pretende materializar para os usuários do Sistema de Justiça benefícios em termos de acesso, duração razoável do processo e economicidade, entre outros.
Um dos indicadores que permitirão um acompanhamento mais objetivo dos avanços na modernização dos serviços prestados pela Justiça é a parcela das ações judiciais que tramita em meio virtual. Embora ainda esteja em fase de desenvolvimento, o indicador poderá refletir diagnóstico semelhante ao revelado pelo levantamento feito pelo CNJ em 2020 sobre a reação das cortes à pandemia da Covid-19.
Dos 62 tribunais que participaram da pesquisa, apenas 13 informaram ter menos de 90% do seu acervo em meio eletrônico. Ao se projetar os resultados dessa amostra para o todo do Poder Judiciário, os processos eletrônicos representariam 73% do total de ações que correm na justiça brasileira.
O pioneirismo da Justiça do Trabalho na digitalização judiciária se revelou no levantamento: 18 dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) informaram ter 100% dos seus respectivos acervos tramitando em meio virtual. O TRT da 22ª Região (TRT22), que abrange o Piauí, foi a segunda corte da Justiça trabalhista a mais usar o processo eletrônico, em 2010. De acordo com o Secretário de Governança e Estratégia do TRT22, Anchieta Araújo, a solução encontrada para migrar os processos em papel para o sistema à época chamado APT Virtual foi fazer um contrato com uma associação sem fins lucrativos que empregou deficientes auditivos na virtualização dos processos, documento por documento, peça por peça.
Quando chegou ao TRT22 a versão para a Justiça do Trabalho do Processo Judicial Eletrônico (PJe), em 2012, foi a vez de se recorrer às próprias equipes do tribunal para a nova migração, do APT Virtual para o PJe-JT. “Somos o menor TRT em termos de força de trabalho, somos 430 servidores e 560 trabalhadores no total, incluindo colaboradores e estagiários. Por isso fizemos o trabalho de forma gradativa”, afirmou Anchieta Araújo.
Hoje, o acervo é todo digital e o desafio agora é adotar a plataforma Justiça 4.0, conforme proposta pelo CNJ sob a gestão do ministro Luiz Fux. O Juízo 100% Digital, funcionalidade que dá o direito à parte de escolher se prefere transferir o andamento de sua ação judicial para o ambiente virtual, exclusivamente, já está implantado em todas as seis varas da capital – faltam as oito do interior, o que está previsto para ocorrer nos próximos meses.
Pandemia
Além de alinhar o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT11), que atua em Amazonas e Roraima, à Estratégia Nacional do Poder Judiciário, a digitalização integral do acervo permitiu que o serviço da Justiça do Trabalho continuasse a ser prestado em meio à pandemia da Covid-19. No Amazonas, a velocidade da disseminação do novo coronavírus causou uma emergência sanitária sem precedentes. De acordo com a corregedora regional do TRT11, desembargadora Márcia Nunes da Silva Bessa, o processamento 100% digital das ações judiciais no tribunal é resultado de um processo iniciado em 2012, do qual a magistrada participou como coordenadora entre 2015 e 2017.
A desembargadora credita a superação das resistências apresentadas pelo sistema local de justiça, no início de implantação do sistema, à qualificação da área técnica, às ações de capacitação promovidas pela Escola Judicial do TRT11 e às cartilhas e aos tutoriais que o próprio PJe fornece, nas suas versões mais recentes. Atualmente, os projetos de tecnologia do Tribunal pesquisam inteligência artificial, para dar maior celeridade no andamento processual, segurança dos dados e armazenamento em nuvem, esses últimos para evitar interrupções nos serviços das unidades em caso de defeito técnico.
A perspectiva é digitalizar também completamente a área administrativa, com a busca de soluções tecnológicas para os deslocamentos dos oficiais de justiça, operação de pesquisa patrimonial e redução do trabalho repetitivo. “O TRT da 11ª Região é um tribunal que está voltado a conectar pessoas, diminuir as distâncias de forma que a prestação jurisdicional seja célere e de fácil acesso à sociedade”, destaca a corregedora.
Eleitoral
O único segmento que não participou do levantamento dos acervos digitais dos tribunais foi a Justiça Eleitoral, em virtude da sua dinâmica própria de funcionamento. Os anos eleitorais tornam o volume das demandas cíclico. No entanto, em 2018, o percentual de casos novos chegou a 32%.
Com a instalação gradual do PJe, as unidades da Justiça Eleitoral, a partir de 2019, o índice de digitalização do acervo tende a aumentar. Um dos tribunais com desempenho surpreendentemente positivo, de acordo com o mais recente anuário estatístico Justiça em Números 2020, foi o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), onde 81% dos novos processos já ingressaram ao longo de 2019 no formato digital.
De acordo com o secretário de planejamento da corte, Victor Xavier, a pandemia acelerou a mobilização interna nas equipes do TRE-BA pela digitalização, tanto dos processos judiciais como dos fluxos administrativos. Um desses fluxos é justamente o conjunto de procedimentos que leva à transformação de um processo físico para o formato digital. “Envolve uma série de movimentos: inserir no sistema, verificar número dos autos, inconsistências possíveis, informar todas as partes da digitalização, entre outras.”
De acordo com o secretário especial da Presidência, o acervo digital do TRE-BA deve estar próximo de 100% do volume total de processos. “Acompanhamos o que é discutido nos outros tribunais e no próprio CNJ. A tecnologia é pauta constante. Fizemos a aposta e acreditamos que deu certo. O processo fica mais transparente quanto maior for a quantidade de pessoas que verão informações sobre processos sem segredo de justiça, como o andamento, por exemplo.”
Maturidade
Para medir o grau de cumprimento do macrodesafio Fortalecimento da Estratégia Nacional de TIC e de Proteção de Dados, a Rede de Governança (instância participativa de gestão estratégica com representantes indicados pelos tribunais) monitorará outro indicador, mais abrangente que o percentual de processos eletrônicos no volume processual global. O Índice de Governança, Gestão e Infraestrutura de TIC dos órgãos do Poder Judiciário (iGovTIC-Jud) quantifica o nível de maturidade de cada tribunal na área.
O indicador produz uma análise mais qualitativa da situação da digitalização do Poder Judiciário. Permite avaliar de forma mais detida em que medida os tribunais têm concretizado o macrodesafio ao elaborar programas, projetos e ações que fortaleçam as estratégias digitais judiciárias. Da governança, passando pela gestão e até a infraestrutura tecnológica, o iGovTIC-Jud busca saber dos tribunais, por meio das respostas dos tribunais aos questionários enviados pelo CNJ, informações sobre a proteção dos dados e a acessibilidade de serviços judiciários digitais aos cidadãos.
O instrumento de pesquisa busca respostas para sete dimensões: políticas e planejamento; estruturas, macroprocessos e processos, competências, desenvolvimento e desempenho das pessoas, riscos monitoramento e auditoria – controle da gestão; sistemas, integração e nivelamento; serviços de infraestrutura; e detalhamento. O Painel iGovTIC-Jud exibe os resultados da metodologia de avaliação desenvolvida pelo CNJ, que também elabora um relatório em que sintetiza os resultados obtidos – um dos produtos é um ranking de maturidade dos tribunais.
Em uma escala de 0 a 1, a média de cada segmento revela uma tendência geral de aprimoramento da governança, gestão e infraestrutura de TIC em cada tribunal.
Segmento | Quantidade de órgãos | Média iGovTIC-Jud |
Conselho | 2 | 0,79 |
Tribunal Superior | 4 | 0,79 |
Justiça Eleitoral | 27 | 0,80 |
Justiça Estadual | 27 | 0,78 |
Justiça Federal | 5 | 0,65 |
Justiça Militar dos estados | 3 | 0,73 |
Justiça do Trabalho | 24 | 0,79 |
Dos 92 órgãos considerados na composição do índice, 17 têm desempenhos considerados de excelência (nota entre 0,9 e 1,00), outros 58, desempenho aprimorado (entre 0,7 e 0,89) e os 17 restantes, resultados satisfatórios (entre 0,4 e 0,69). Nenhum teve resultado baixo (inferior a 0,39), de acordo com o relatório de resultados do iGov-TIC-JUD 2020. Os tribunais citados nesta reportagem atingiram resultados que os classificam entre aqueles de desempenho aprimorado – TRT22 (0,75); TRT11 (0,80); e TRE-BA (0,80) – e satisfatório – TRT24 (0,65).
Indicadores
Os indicadores que quantificarão o nível de cumprimento de cada tribunal em relação ao macrodesafio Fortalecimento da Estratégia Nacional de TIC e de Proteção de Dados são dois. O primeiro é o IGovTIC-JUD. Avalia anualmente a governança, a gestão e a infraestrutura das Tecnologia de Informação e Comunicação em cada tribunal. O segundo indicador, percentual de casos eletrônicos sobre o acervo total, deverá ser desenvolvido até o fim do ano.
Publicidade (x)